O Brasil é um país de clima predominantemente tropical e sua produção, portanto, é bastante dependente das gramíneas tropicais para a alimentação dos animais. Nessa época de estiagem prolongada, que se inicia em maio e vai até o final de agosto, há uma diminuição da oferta de gramíneas nos pastos e uma necessidade de se fazerem suplementações. Em especial, este ano apresenta outras características que vêm trazendo incertezas aos produtores e estão relacionadas à elevação do preço dos grãos, ocasionado pelo aumento nas exportações, desvalorização do real frente ao dólar e, dessa forma, os custos de insumos, também cotados em dólar, são maiores e mais expressivos. No caso da alimentação animal, esses fatores determinam um grande impacto no custo de produção.
Outra questão que está corroborando o atual cenário é que muitos produtores perderam a safrinha do milho, em função da pouca quantidade de chuvas, em especial no oeste do Estado de São Paulo, onde a estiagem começou mais cedo este ano. Dessa forma, com as margens mais estreitas, o produtor precisou se reinventar. Esta é a avaliação dos técnicos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento que trabalham na Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) dando suporte, como extensionistas, aos produtores rurais.
A médica veterinária Cheila Rúbia Leite Massiere Duarte, da CDRS Regional Botucatu, responsável pela Casa da Agricultura de Laranjal Paulista, faz algumas recomendações para as cadeias de leite e corte, as mais impactadas no período da estiagem. “No caso da pecuária leiteira, a recomendação é que aqueles que se dedicam a essa cadeia procurem adotar novas técnicas, acompanhando os avanços do mercado. No meio rural vemos, ano a ano, as margens de lucro sendo comprimidas, demandando uma escala mínima de produção e evolução constante dos criadores. No que se refere à alimentação, o Estado de São Paulo tem muitas indústrias e, consequentemente, muitas opções de subprodutos que devem ser avaliados como alternativas à dieta do gado”, diz Cheila Duarte.
O produtor, tanto da pecuária de leite quanto de corte, tem procurado alternativas para substituir grãos como milho e soja na suplementação animal quando estes se encontram com custo muito elevado, impactando no custo de produção. Produtos como a polpa de laranja, por exemplo, e farelados diversos são subprodutos regionalizados normalmente utilizados e o uso vai depender da oferta existente. “Mesmo se tratando de produtos com menor valor nutricional, o fato de terem custo mais reduzido vai influenciar no custo total de produção, e pode representar menor perda na margem para o produtor, por isso é sempre importante levantar alternativas e fazer as contas”, explica Cheila.
A técnica lembra que na pecuária leiteira os produtores médios e grandes geralmente fazem a alimentação no cocho pelo menos para os animais mais exigentes e em fase de lactação; já os pequenos produtores nem sempre se preparam o suficiente, por muitas vezes terem área reduzida e mais animais do que a propriedade comporta. Nos dias atuais, o que mais tem sido empregado como suplementação volumosa são as silagens (seja de milho, sorgo, capim ou mesmo de cana). Para quem emprega pastagens irrigadas, mesmo com as temperaturas mais baixas e menor rendimento dos cultivos, é possível fazer a sobressemeadura com espécies de clima temperado, como a aveia, sendo possível deixar os animais de melhor produção em pastejo rotacionado. Dessa forma, mesmo com uma lotação menor nos piquetes, é possível manter os animais no pasto e obter um custo interessante de produção”, frisa a médica veterinária.
Já na pecuária de corte há algumas alternativas para contornar essa estacionalidade de produção das forragens, exemplifica Cheila: “Para quem tem áreas maiores e volume de capim (massa, mesmo que seca), é possível o uso de suplemento mineral proteico (sal proteinado), que garantirá ganhos a um custo mais baixo. Uma alternativa mais avançada é a terminação intensiva a pasto (TIP), com fornecimento de alimentação concentrada a pasto. Há ainda quem opte por terminar pelo menos parte dos animais no sistema de confinamento, o qual tem maior demanda de grãos. No confinamento, os animais entrarão com peso em torno de 13 a 14 arrobas e ficam até completarem em torno de 19 arrobas, permanecendo confinados por período de 90 a 120 dias, até chegar à fase de abate. É uma alternativa para obter uma carcaça de melhor qualidade e melhor valor final pago pelo frigorífico. Porém todas as opções devem ser avaliadas com critério, lembrando que o objetivo é a combinação que forneça boa receita e margem final. Há ainda quem não adote nenhuma suplementação e produza o conhecido ‘boi sanfona’, que engorda nas águas e perde peso no período da estiagem, mas a cada dia é menos comum essa prática, em especial no Estado de São Paulo, onde a tecnificação dos pecuaristas de corte é cada vez mais frequente”, salienta a técnica.
Já em relação às aves e outros animais já criados confinados, não há grandes alterações nos sistemas de produção. Porém o aumento dos preços dos grãos tem afetado a margem de lucro desse ramo. Alguns produtores de frango relatam que as integradoras estão alojando um pouco menos e os produtores menores estão sofrendo mais com isso, pois a opção é para as granjas mais tecnificadas (automatizadas e de pressão negativa) que têm mais ambiência para os animais e consequentemente permitem maior conversão alimentar, seja em carne ou ovos.
Na região oeste do Estado de São Paulo, onde predominam as pastagens e a estiagem costuma judiar, os produtores já estão se preparando para o longo período de falta de chuvas e buscando alternativas para manter os animais bem alimentados. O engenheiro agrônomo João Menezes, especialista em alimentação animal e acostumado com essas características climáticas da região, diz que os produtores normalmente já se precaveem, porém, este ano, a seca começou mais cedo, com locais onde não chove há mais de 30/ 40 dias e outros há quase 60 dias. “Há um déficit hídrico muito grande que prejudica não só as pastagens, mas também as lavouras de soja, milho e outras, ou seja, é um cenário ruim para o agricultor e para o pecuarista, que necessita de farelos para suplementar a alimentação do gado”, explica Menezes, que é responsável pela Casa da Agricultura de Anhumas, da área de atuação da CDRS Regional Presidente Prudente.
“O produtor foi pego despreparado para enfrentar essa situação, porque a seca veio muito mais cedo do que o esperado e mesmo quem já vinha comprando suplementos, como o feno, por exemplo, está utilizando antes do desejado, porque já está faltando forragem para o gado no pasto. Aliado a isso, com a quebra da safra, os preços dos grãos estão muito elevados”, avalia o técnico, que vem conversando com os produtores e ouvindo suas preocupações, na tentativa de verificar as alternativas viáveis para enfrentar este ano difícil sob todos os aspectos.
Segundo João Menezes, de agora em diante e durante todo o período que perdurar a estiagem, há três estratégias que podem ser utilizadas para minimizar a situação. A mais viável e barata é o pasto diferido, ou seja, o produtor reserva uma área de pastagem para usar na época da seca, mas este ano até essa estratégia está complicada, porque como a seca começou antes, foi preciso utilizar essa área diferida/reservada por já estar faltando pastagem.
A segunda estratégia costumeiramente utilizada pelos pecuaristas é promover a suplementação volumosa. Para isso, é preciso que o produtor tenha se preparado e cultivado seu volumoso a tempo, para alimentar o rebanho na seca. Portanto, poderia ter cultivado feno, milho e/ou sorgo para produção de silagem, cana-de-açúcar e capineiras, como o capim-elefante napier ou o capiaçú, este último uma cultivar da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tem apresentado uma produtividade elevada de massa. As silagens de sorgo e milho são mais caras para serem produzidas, pois são culturas mais exigentes e suscetíveis às intempéries climáticas, porém produzem um volumoso de melhor qualidade.
Temos, ainda, dois tipos de feno, aquele produzido com a finalidade de alimentação animal, com qualidade nutricional melhor, mas também mais difícil e caro de ser produzido. E há o feno resíduo da produção de sementes, cujas regiões abrangidas pelas CDRS Regionais de Presidente Prudente e de Presidente Venceslau são reconhecidas no Estado de São Paulo pela produção de sementes forrageiras. Neste caso, é a palhada que sobra dessa atividade que é oferecida como resíduo ou subproduto para suplementação da alimentação do gado. “O custo é menor, porém a qualidade e o valor nutricional também são mais reduzidos”, avalia João Menezes, mas há boa disponibilidade na região.
O diretor da CDRS Regional Presidente Venceslau, médico veterinário Felipe Melhado, concorda que este ano foi bom para o cultivo do feno, porque choveu na época certa durante a produção e agora está sendo colhido também na época oportuna, ou seja, de seca, pois neste caso as chuvas acabariam comprometendo a colheita e, consequentemente, a produção. “O que atrapalha o produtor é a chuva, pois não se consegue enleirar o feno se estiver chovendo, há muita perda. Mas o que está ocorrendo é uma superprodução desse capim cortado, que é um subproduto da produção de sementes forrageiras para formação de pastagens. É ótimo subproduto para quem precisa alimentar o gado com um custo mais baixo. Porém, este ano, até esse subproduto está com preço mais alto; o volume que foi vendido a R$ 25,00 no ano passado, este ano já está custando R$ 35,00, e a procura para armazenar alimento para o gado para o pior período de estiagem tem sido grande”, afirma Felipe Melhado. A área de plantio abrangida pela CDRS Regional Presidente Venceslau é de mais de 20 mil hectares, que se revertem nesse subproduto.
A terceira alternativa, comenta João Menezes, são as capineiras, como o capim-elefante napier ou capiaçú, que são forrageiras que produzem no verão e estão no ponto ideal para serem cortadas para a produção de silagem ou, ainda, podem ser deixadas no campo para cortar no período da seca, para oferecer ao gado no cocho. Segundo o especialista em nutrição animal, “a qualidade nutritiva não é muito boa, mas são de fácil produção e fornecem uma considerável produtividade por área”.
E há a alternativa já bastante utilizada pelos produtores, que é a da cana-de-açúcar, a qual apresenta um valor nutritivo médio, mais baixo do que da silagem de sorgo e milho, porém mais alto do que o capim passado. “Além disso, conta com a vantagem de poder ser colhida na época da seca, quando há maior necessidade de se fazer a suplementação alimentar do gado. Exige mais cuidados com a cultura no campo, porém, nessa época da seca, com a ureia pecuária adicionada, é importante na alimentação do gado. E é uma estratégia tanto para gado de leite quanto para o gado de corte. Dá mais trabalho, porque precisa ser cortada todo dia para oferecer aos animais, mas é uma boa e conhecida alternativa utilizada pelos pequenos pecuaristas”, argumenta Menezes.
Ainda há uma quarta alternativa: tratar os animais com concentrados, como as rações. É, sem dúvida, a opção mais cara, porém a mais fácil. Segundo João Menezes, o pecuarista tem que avaliar e considerar se, com a alta do preço dos grãos e da suplementação mineral, somadas às condições climáticas totalmente desfavoráveis, não valerá a pena investir nos seus animais, não deixando que passem fome ou até venham a morrer por falta de alimento.
A pesquisadora do Instituto de Zootecnia (IZ) Flávia Maria de Andrade Gimenes, concorda e corrobora a indicação dos técnicos da CDRS. “O custo elevado dos grãos, como soja e milho, torna difícil o uso de maiores quantidades de concentrados na alimentação animal. Nesta situação, o pecuarista deve usar as ferramentas disponíveis para conseguir alimentar os animais de forma adequada durante todo o período de estiagem. A forma mais simples de fornecer alimentos volumosos para os animais é o uso de pastagens diferidas, que são pastos vedados no final do período de águas e que apesar de apresentarem baixo valor nutritivo, podem fornecer as fibras necessárias para a dieta. Outras alternativas são o fornecimento de cana-de-açúcar ou capineiras picadas diariamente, de forrageiras conservadas na forma de silagem ou feno ou uso de coprodutos”, confirma a pesquisadora.
“Em resumo, o que vamos ter é um ano de muita dificuldade durante a seca, que começou mais cedo. E, mesmo que venha a chover no inverno, o que normalmente não acontece, a produção será escassa em função do frio e dos dias curtos desfavoráveis ao crescimento do capim. O que se prenuncia é um ano de escassez de alimento para o gado e até perda de animais do rebanho, que trará como consequência um aumento no preço final da carne e do leite ao consumidor, em função da escassez de produtos. De toda forma, a alta do preço final não significa um ganho maior para o produtor, mas um ano de dificuldade para os pecuaristas, tanto de leite quanto de corte, que terão que arcar com a escassez de alimento no campo, um alto custo de produção e um ganho ainda menor”.
“Mesmo com essas dificuldades, a minha experiência como extensionista no trato com os produtores aponta que eles procuram alternativas, pois desistir da atividade não costuma ser uma opção, afinal, é o que querem e sabem fazer. E o nosso papel na extensão rural é procurar essas alternativas e discutir com eles os prós e os contras, para que continuem seguindo na atividade com ganho, o qual possa proporcionar a permanência no campo com qualidade de vida”, finaliza Cheila Duarte.
* informações da assessoria de imprensa